quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Florence - A veradeira história


Florence Nightingale está para a Enfermagem, como Hipócrates está para a medicina. Teve uma grande influência nas mudanças relativas à importância dada à assépsia, aos cuidados de higiene e à alimentação e conforto dos doentes, como factores imprescindíveis na manutenção da saúde e prevenção de complicações. Mas até isto acontecer muitas crises foram acontecendo.

Quando Florence falou pela primeira vez aos seus pais que queria ser enfermeira, eles a encararam boquiabertos. O quê? A filha de uma das mais ricas famílias da Inglaterra ingressar numa das mais baixas profissões? Ora,a enfermagem nem chegava a ser profissão naquele tempo. "A maioria das enfermeiras" - citamos um médico da época - "é constituída por prostitutas ébrias que, ao serem levadas à polícia, têm a faculdade de optar entre ir para a prisão ou ir para o serviço hospitalar... Muitas vezes são encontradas dormindo debaixo das camas dos seus enfermos mortos, cujas bebidas alcoólicas elas roubaram".
Assim, quando comunicou aos pais a sua decisão, "foi como se eu me quisesse tornar numa criada de cozinha". Não fora para tal carreira que eles haviam educado a filha. O pai de Florence, Sr. William Shore Nightingale, proprietário do Embley Park em Hampshire, tencionava fazer da sua filha uma senhora da alta sociedade, como a elegante mãe de Florence. Esta menina era a mais linda e mais bem-dotada de todas as filhas do casal. Tinham-lhe dado uma educação própria de princesa: matemática superior, literatura, música, enfim ciências e artes. Ela aprendera o italiano, o alemão e o francês, e falava esses idiomas tão fluentemente como o inglês. E também as línguas mortas.
Uma jovem tão brilhante quanto encantadora. Viajara por toda a Europa e subira o Nilo. Era capaz de conversar com qualquer espécie de gente sobre qualquer espécie de assunto. Comparecera mesmo às recepções da rainha. E todos os rapazes da Inglaterra estavam a seus pés. Que queria ela no mundo?
"Quero fugir de toda esta maçada". Tinha um caminho independente a trilhar. Tinha fibra e uma língua afiada. "Amontoar conhecimentos de uma miscelânea de matérias", dizia ela, "é a mais desagradável de todas as ocupações". E quase tão desagradável era acumular uma miscelânea de relações nas altas rodas. Florence queria afastar-se de toda esta sociedade artificial, empoada e afectada. Queria abraçar de corpo e alma a vida. Conhecer os seres humanos nos seus momentos de verdade. No seus momentos de dor.
O seu pai fazia-a frequentemente ler alto para ele um livro victoriano de boas maneiras etitulado "Episódios da Vida de Uma Filha no Lar". Mas ela preferia ler por si mesma um livro de conteúdo muito diverso: o Relatório Anual do Instituto Fliedner. Este instituto era uma escola alemã de Enfermagem.

Florence possuía uma vocação inacta para cuidar de feridos e doentes. Já em criança deixava frequentemente as brincadeiras para consertar bonecas e pensar as feridas dos animais domésticos de estimação e da gente do campo, em Embley. Ela mesma conta que na idade de seis anos já tinha consciência de um "chamado" para uma missão de caridade. Com o tempo, foi-se tornando cada vez mais cônscia da estrela que fora convidada a seguir. Uma tarde - tinha então cerca de dezoito anos - Florence passeava com uma amiga no relvado fronteiro à sala de estar, em Embley. - "Sabes o que penso sempre que olho para essa fileira de janelas?"-Disse ela-"Penso como transformaria isto num hospital e como disporia os leitos."

Durante alguns anos, enquanto esteve na casa dos vinte, pensou em casar-se. Teve mesmo um ou dois casos amorosos.Mas tirou da cabeça a idéia de casamento. A vida de casada não era coisa para ela. No casamento, registrou ela, "podia achar satisfação para a sua natureza intelectual e afectiva, mas não para sua natureza moral". E foi esta que prevaleceu. Em 1850 escreveu no seu diário: "Tenho agora trinta anos: a idade com que Cristo iniciou Sua Missão... Não quero mais saber mais de coisas infantis e vãs, não quero saber mais de amor, de casamento". Estava agora disposta a seguir os passos dele e se entregar à sua própria missão.

Florence Nightingale roubara muitas horas à sua vida para estudar Anatomia e visitar o hospital do distrito. Certa vez, numa curta viagem à Alemanha, frequentou por duas semanas a Escola de Enfermagem Fliedner. Dentro em breve ela provou aos cépticos ingleses que era feita para a Enfermagem. Nomeada administradora do Sanatório Harley Street, "um estabelecimento para senhoras durante a enfermidade", ela mostrou que sabia não só esfregar soalhos como também curar feridas e, o que era mesmo mais importante, ressuscitar esperanças.

Em 21 de outubro de 1854, Florence embarcou para a Criméia. A agitação da viagem, o balanço do barco - assaltado por um furacão no Mediterrâneo - e a direção das nada obedientes trinta e oito enfermeiras que levava consigo, tudo isso foi uma provação excessiva para suas energias. Chegou a Scutari doente. Os soldados carregaram-lhe a maca revezando-se, desde o cais até a casa do capelão. Rapidamente, porém, ela recuperou a saúde.

Pouco depois da chegada de Florence, uma remessa de 27.000 camisas fora descarregada em Scutari e só esperava ser desembrulhada. Mas o oficial aprovisionador recusou-se a efectuar o desenfardamento sem permissão do Comando. Durante três semanas os enfermos e feridos "tremeram de frio na sua nudez", enquanto Miss Nightingale suplicava em vão que os vestissem. Afinal as autoridades desviaram o assunto para a rotina regular do serviço e expediram a necessária licença. Já na próxima ocasião em que uma remessa de camisas chegou para o hospital, Florence tomou o assunto a seu cargo. Ordenou às enfermeiras que abrissem os pacotes e distribuíssem as camisas, enquanto o "aprovisionador" torcia as mãos e resmungava que o mundo ia "água abaixo e mulheres abaixo". Mas as mulheres, sob a direcção de Florence puderam agir. Escovaram os soalhos e as paredes do hospital, reorganizaram as enfermarias e as cozinhas e as lavandarias, reordenaram a distribuição dos alimentos de modo que ninguém fosse obrigado a passar fome e adicionaram ao cardápio um bom número de reforçados alimentos, tais como sopas, vinhos e geleias. E estavam em condições de fazer tudo isto porque não gastavam nada do dinheiro do governo, mas dependiam dos próprios recursos de Florence, supridos pelas generosas contribuições de uma porção de homens e mulheres de larga visão. "Que desperdício absurdo de dinheiro em destroços sem serventia!" lamentou Lorde Stratford de Redcliffe, embaixador britânico na Turquia. "Eu desejava que gastassem esse dinheiro num fim mais digno, na construção de uma igreja anglicana em Constantinopla".

Os agradecidos doentes de Scutari passaram a considerá-la como "A DAMA DA LÂMPADA". Sua simples presença restituiu à vida mais de um homem a quem os médicos tinham desenganado. Havia dias em que passava oito horas de joelhos, cuidando de ferimentos e ajeitando as cobertas sobre os membros doridos dos hospitalizados. Às vezes permanecia vinte horas seguidas sem interrupção ao lado dos cirurgiões que se revezavam nas suas operações. Nas cirurgias, foi Florence que ordenou a esterilização dos materiais antes de serem usados, com os meios conhecidos no seu tempo - o álcool e a exposição dos materiais a altas temperaturas ( fogo). Além da Enfermagem, atendia todo o serviço administrativo e a muitos dos afazeres domésticos do hospital.

Em 1856, voltou à pátria com a saúde arruinada para o resto da vida. Sua obra, porém, longe de estar concluída, estava apenas a começar. Em 1857 fundou a Nightingale Home para aprendizagem das enfermeiras, em 1858 publicou um livro "Observações sobre a Enfermagem". De 1862 a 1890 trabalhou pelo estabelecimento de várias escolas de enfermagem e pela reforma dos hospitais militares. Em 1907 recebeu a Ordem do Mérito (aos 87 anos) e faleceu em Londres em 1910.
(in Enfermeiro on-line)

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